TJ/MG - Justiça mantém Programa de Transferência de Renda em Brumadinho

Sexta-feira, 14 de Novembro de 2025 - 14:06:27

Mineradora deve manter pagamento a atingidos por rompimento de barragem

Em 2ª Instância, foi mantida a decisão da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte (Crédito: Cecília Pederzoli / TJMG)

O desembargador André Leite Praça, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), determinou que a mineradora Vale S.A. continue pagando auxílio emergencial à população atingida pelo rompimento de três barragens da Mina Córrego do Feijão, em 25/1 de 2019. A decisão foi dada em julgamento monocrático de agravo de instrumento interposto pela Vale S.A. contra decisão da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte.

Deverão ser mantidos, provisoriamente, os mesmos critérios de definição dos beneficiários do Programa de Transferência de Renda (PTR) instituído pelo Acordo Judicial para Reparação Integral (AJRI), e os valores previstos no PTR antes da redução iniciada em março de 2025. Pela decisão, a 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte fica encarregada de definir os critérios específicos e a melhor forma de operacionalização do novo auxílio emergencial.

A decisão do relator, desembargador André Leite Praça, se fundamentou no artigo 3º, inciso VI, da Lei Federal nº 14.755/2023, denominada Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), a Recomendação nº 8/2025, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

O pedido liminar foi formulado pela Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA), pela Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (Ascotélite) e pelo Instituto Esperança Maria (IEM). A questão ainda deverá ser apreciada no mérito.

Questionamento

No agravo de instrumento, a mineradora sustentou que sua obrigação de pagar, no valor de R$ 4,4 bilhões, foi integralmente cumprida em outubro de 2021, resultando em quitação plena, e que, desde então, a gestão e operacionalização do PTR competia exclusivamente às instituições de Justiça e à Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para a empresa, a aplicação da Lei Federal nº 14.755/2023 viola o princípio da segurança jurídica e representa uma penalização retroativa à companhia, uma vez que a PNAB foi promulgada mais de dois anos após o trânsito em julgado do acordo.

Decisão

Segundo o relator do recurso, desembargador Leite Praça, o exame dos autos demonstra que a pretensão das associações autoras não é uma revisão ou reinterpretação do AJRI, mas a reivindicação da adoção de um novo marco legal, a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, uma vez que os danos causados em decorrência do rompimento das barragens estendem seus efeitos no tempo.

“É indiscutível que a contaminação ambiental persiste, bem como é notável que as atividades econômicas não foram restabelecidas, as famílias seguem deslocadas de suas moradias originais e o processo reparatório encontra-se manifestamente inconcluso. Nesse contexto, a aplicação da Lei nº 14.755/2023 não configura retroatividade vedada pelo ordenamento jurídico, pois a norma não pretende regular fatos consumados no passado, mas sim disciplinar situações jurídicas ainda em curso, cujos efeitos danosos permanecem produzindo consequências no presente.”

Na avaliação do magistrado, o auxílio emergencial “constitui resposta legislativa à permanência da situação de risco e desamparo das comunidades atingidas, não se confundindo com qualquer tentativa de revisão de fatos pretéritos”.

Crise humanitária

O desembargador Leite Praça ponderou, ainda, que o próprio AJRI reconhece que novos danos poderiam surgir após sua celebração, reservando expressamente sua reparação. Conforme o magistrado, cláusulas excluem do documento pactuado a restauração e recuperação socioambiental integral, inclusive dos danos desconhecidos, futuros ou supervenientes; indenizações referentes aos direitos individuais; e a contratação, custeio e auditoria dos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), entre outras despesas.

“A leitura sistemática dessas cláusulas conduz à inequívoca conclusão de que o Acordo Judicial de Reparação Integral não teve por objeto, nem poderia ter, a quitação ampla e definitiva de todas as obrigações reparatórias da agravante. Trata-se de negócio jurídico processual de objeto limitado, que contemplou obrigações específicas relacionadas a danos conhecidos à época de sua celebração”, concluiu.

Para o relator, “a abrupta interrupção da fonte de renda para milhares de famílias que ainda não puderam retomar suas atividades econômicas desencadearia uma crise humanitária de proporções incalculáveis, com consequências diretas sobre a segurança alimentar, a saúde e a própria vida das pessoas atingidas”.

Leia a íntegra da decisão e acompanhe a movimentação processual do recurso. 

Fonte: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/justica-mantem-programa-de-transferencia-de-renda-em-brumadinho-8ACC80D09A75EDB9019A8336EEE07093-00.htm